domingo, 18 de outubro de 2009

O elogio da blogosfera

Irrita-me a blogosfera. Sim, é um paradoxo: se lhe irrita tanto a blogosfera, porquê ter um blog? Não faz sentido e reconheço-o. Mas em minha desculpa tenho o facto de ser humana e de, como todos os humanos, ser contraditória e movida por forças e desejos insondáveis. E portanto, por força do afecto, lá aceitei eu mais este pequeno desafio.

O que me irrita na blogosfera é que, hoje, todos têm um blog. O blog das receitas da avó, o blog do caozinho que faz parte da família, o blog do diário pessoal, o blog do rato morto na cozinha, o blog do partido, o blog das frustrações literárias, o blog do desporto, o blog do ponto de exclamação... tudo, independentemente do real interesse que possa ter para alguém que não o próprio bloguista, é tema possível para ter um espaço seu, uma pequena ilha no oceano de blogs e sites pessoais que a rede acolhe. Hoje, qualquer pessoa pode escrevinhar o que bem lhe apetecer numa folha de papel electrónico e ter uma visibilidade nunca antes vista, uma publicidade que deixa de pertencer à gaveta da mesinha de cabeceira ou, no máximo, aos olhos atentos dos amigos próximos. E está muito bem, porque faz tudo parte do princípio da liberdade de expressão, levado às suas mais últimas consequências, uma delas bem óbvia: a de serem poucos os blogs que realmente interessam, que realmente têm alguma coisa a dizer.

Os blogs têm também um outro problema: ocupam tempo. A não ser que se junte umas quantas letras, umas quantas imagens, se ponha na misturadora e se despeje, como dados na mesa do casino, o resultado de dez minutos, onde é grande a probabilidade de tal cocktail ser inevitavelmente uma papa informe e desinteressante, escrever ocupa tempo e espaço mental. E dá trabalho. E se posso ocupar o meu tempo livre a fazer coisas bem mais divertidas e leves, a passar tempo com os meus amigos ou a aprender a dançar, a perspectiva de escrever trabalhosamente num blog pode ser desanimadora, para dizer o mínimo.

Mas então, depois de tudo isto, para quê escrever num blog? Para quê perder o tempo, matar a cabeça à procura de assuntos que possam interessar a quem lê, para quê contribuir para uma blogosfera em que não se acredita? Boa pergunta. Talvez para ter um espaço em comum com o meu primo, mesmo que não tenhamos nada de interessante para dizer. Para poder falar do meu rato morto na cozinha, das receitas da minha avó, das frustrações literárias ou das comédias que invadem a minha vida. Afinal, também tenho uma data de coisas desinteressantes para dizer ao mundo e, como todos os seres humanos que decidem criar uma ilha onde se fala de coisa nenhuma, exerço o meu direito, democraticamente garantido à liberdade de expressão. Honro, pois, o direito conquistado pelos nossos antepassados, não tão caquéticos assim, à custa de suor e muita tinta escorrida nos almanaques e livros de crítica social... Mesmo que isso signifique escrever rios de generalidades inúteis. Assim seja!

sábado, 17 de outubro de 2009

Redenção em forma de serviço público

Penso que esta posta de texto é devida e necessária por duas ordens de ideias:

-Primeiramente, pelo desmesurado entusiasmo de uma primeira posta comparável àquele de uma criança que rasga o papel de embrulho em mil pedacinhos, tal é a ânsia de estrear um brinquedo novo, tendo como resultado a produção de algo pseudo-intelectualóide-yah-olha-para-mim-tão-fixe-que-sou;

-Em segundo, e derivado do primeiro, o facto de não ter dedicado uma palavrinha a este espaço que nasceu em Setembro e até agora repousou numa incubadora. Tenho a dizer que neste momento não sei bem o que vai sair daqui nem em que é que isto poderá vir a dar, mas para a frente é que é caminho! Seja como for, conto com o apoio da minha prima para que isto não descambe (a níveis a baixo do aceitável, porque o 'descambianço' é inevitável)

E portanto aqui estou eu a tentar prestar um serviço à comunidade através de um blog de generalidades em geral, passo o pleonasmo. "E de que maneira?", poderão perguntar. Através de dois sites (ou sítios) que me surgem como uma boa adição à cultura de todos. Comecemos então:


Por um lado temos um pequeno mimo literário que nos chega a nós pelas mãos do Project Gutenberg, que consiste na disponibilização de versões electrónicas (os chamados e-books) de obras que se encontram no domínio público. Lá podem encontrar vários autores clássicos como Mark Twain, Lewis Carroll e Omero entre muitos outros.
Duas coisas são de notar, ambas agradáveis: (1) as obras não são apenas gratuitas, mas sim livres (free and not just free of charge) o que significa que não são apenas borlas, uma vez que existe liberdade de utilização (nomeadamente cópia, distribuição, utilização pública e afins, embora alguns possam estar limitados de alguma maneira, existindo uma nota jurídica que informa disso mesmo) e (2) existindo obras em várias línguas, é bom ver que a Língua de Camões está bastante presente, tanto assim é que é a única língua alternativa em que o site é disponibilizado. Pessoalmente gosto de destacar um título anónimo: "Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora em 1589 ".


Por outro lado, temos um vasto leque de conferências informais, caracterizadas por uma grande boa disposição, mas nem por isso menos informativo ou enriquecedor: TED: Ideas Worth Spreading. Penso que o próprio nome fala por si. Para aguçar a curiosidade ficam aqui três das minhaa 'TED talks' de eleição (legendas disponíveis):

Uma abordagem ao acto de ouvir (por Evelyn Glennie - uma percussionista de renome que é surda)
O que as alucinações revelam sobre a nossa mente (por Oliver Sacks - neurologista publicado)
A escola mata a criatividade (por Sir Ken Robinson - autor britânico reconhecido internacionalmente no desenvolvimento de recursos humanos e inovação)



Aconselho vivamente uma visita a estes sites, acreditem que não se arrependerão



Sombras


Quando?

Vá lá, quando foi?
Quando foi a última vez que olhaste (bem!) para a tua sombra?


Quando foi que reparaste bem no teu escuro recorte estampado na rua?


Porque não havias de reparar? As sombras não mentem, não conhecem o engano. E falam, falam tanto que às vezes é difícil perceber o que dizem. Isso ou não queremos ouvir. É que as sombras nunca falam sobre elas, falam sempre sobre nós e incomodamo-nos sempre que falam sobre nós com uma franqueza avassaladora.


Um espelho pode reflectir um sorriso falso, mas as sombras são livros que temos colados aos pés, sempre abertos. E é pecado ignorar um livro aberto...